Monday, May 16, 2011

Responsabilidade por danos ambientais

A actividade quer de particulares, quer de empresas, que interferem no meio ambiente, há muito que exigia a imposição de um meio de responsabilização que fosse além da reparação de eventuais danos causados por estas.


Seguir os procedimentos ambientais, nomeadamente os estudos relativos a impactos, a avaliação de impacto, a declaração de impacto ambiental, são de extrema importância, especialmente no campo de empresas, actividades particulares ou mesmo do Estado que constituam um verdadeiro perigo para o meio ambiente, habitats e recursos naturais, pela poluição directa de águas, solos, destruição de fauna e flora e restantes componentes ambientais.


Por poluição deve entender-se, conforme o art.21º da lei de bases do ambiente, as acções e actividades que afectam negativamente o ambiente em geral, mencionando-se como causas desta, todas as substâncias lançadas na água, bem como no solo, que alterem a qualidade de vida ou interfiram no normal conservação ou evolução ambientais.


Enquanto direito/dever consagrado constitucionalmente, a todos incumbe a defesa do ambiente - particulares, empresas e Estado - numa referência de protecção da qualidade de vida e de efectivação do direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado!


Nestes termos, se à partida uma actividade poluidora viola um dever seu de manter um ambiente em termos plenos, parece lógico que a mera reparação dos danos não baste, exigindo-se a concreta responsabilização por parte do infractor que não só causou danos a que já sabia serem de conteúdo nefasto, como ignorou a obrigação de prevenção e de reparação dos mesmos. Assim como consequência sancionatória deve o infractor incorrer nos termos da acção de responsabilidade prevista para estes casos.


Em que termos são postos em causa princípios estruturantes do direito do ambiente?


Há logo à partida uma clara violação do princípio da prevenção, sendo também de aplicar o princípio do poluidor pagador que se traduz um pouco nesta lógica de responsabilidade ambiental. Quanto ao primeiro, apesar de não ser um princípio próprio do direito do ambiente, como refere o professor Vasco Pereira da Silva, surge-nos como princípio estruturante de uma sociedade em que são crescentes os factores de risco para a Natureza. Tem como finalidade evitar lesões do meio ambiente, o que conduz uma capacidade antecipatória de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de por em risco os componentes ambientais, permitindo que se encontrem meios adequados a evitar a sua verificação ou a minorar as suas consequências. Há aqui uma função essencialmente preventiva, que é violada em casos que impliquem a responsabilização do infractor. A respeito deste princípio diz ainda o autor que “havendo alguém a quem possa ser imputada uma actividade ilícita e que esteja em condições de ter provocado tais danos, o Direito do Ambiente pode estabelecer uma presunção de causalidade, ou introduzir alguma flexibilidade nos critérios de determinação do nexo causal, (…) é possível conciliar as exigências de racionalidade do Direito com as especificações da tutela ambiental, o que representa uma concretização do princípio da prevenção, entendido em sentido amplo, no domínio da responsabilidade em matéria de ambiente”. Quanto ao segundo principio referido, este decorre da consideração de que os sujeitos económicos, que são beneficiários de uma actividade poluente, devem ser responsabilizados no que respeita à compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade do exercício dessa actividade. Entende-se que este não se deve restringir aos prejuízos efectivamente causados, mas estender-se aos custos da reconstituição da situação.


No seguimento destas ideias, por ser fundamental um regime que contemplasse este vazio em termos de consequências para os infractores ambientais, veio transpor-se para a legislação portuguesa a directiva comunitária n.º 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril, surgindo o diploma relativo à responsabilidade ambiental que entrou em vigor em Agosto de 2008, com obrigatoriedade a partir de Janeiro de 2010.


Justificações desta implementação no ordenamento jurídico português, constam logo à partida do preâmbulo do diploma, dizendo-se: “Com o tempo, todavia, a progressiva consolidação do Estado de direito ambiental determinou a autonomização de um novo conceito de danos causados à natureza em si, ao património natural e aos fundamentos naturais da vida. A esta realidade foram atribuídas várias designações nem sempre coincidentes: dano ecológico puro; dano ecológico propriamente dito; danos causados ao ambiente; dano no ambiente (…), se num primeiro momento a construção do Estado de direito ambiental se alicerçou sobretudo no princípio da prevenção, actualmente, a par deste princípio, surge como fundamental o princípio da responsabilização, desde logo explicitado na alínea h) do artigo 3.º da Lei de Bases do Ambiente. (…) Sempre que os particulares disponham de mais e ou melhor informação do que as autoridades administrativas relativamente a um estado de conservação ambiental ou quanto ao risco próprio das actividades económicas, é preferível dotá-los de direitos indemnizatórios, investindo assim o cidadão na qualidade de verdadeiro zelador do ambiente, de modo a obter uma alocação economicamente mais racional dos recursos. (…) Assim, estabelece-se, por um lado, um regime de responsabilidade civil subjectiva e objectiva nos termos do qual os operadores-poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um componente ambiental. Por outro, fixa-se um regime de responsabilidade administrativa destinado a reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade.”


De facto já se previa a responsabilização por estes danos nos termos dos artigos 41.º e 48.º da Lei de Bases do Ambiente e nos artigos 22.º e 23.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto - Lei da Participação Procedimental e da Acção Popular, mas a sua aplicação tem sido quase ou mesmo inexistente.


Assim, este diploma aplica-se aos danos ambientais, bem como às ameaças iminentes desses danos, provocados por uma qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, independentemente de ser pública ou privada, lucrativa ou não. O âmbito de aplicação especifica-se mais detalhadamente no Anexo III do diploma, a empresas como operadores de gestão de resíduos, instalações sujeitas a licença relativa à prevenção e controlo integrados da poluição, empresas exploradoras de aterros, transportadoras de mercadorias perigosas ou poluentes, entre outras, devendo os operadores constituírem garantias financeiras, próprias e autónomas, alternativas ou complementares entre si, que lhes permita assumir a responsabilidade ambiental inerente à actividade que desenvolvem, sendo tal obrigatório a partir da data já referida – 1 Janeiro 2010.


Tais garantias podem obter-se através de apólices de seguros, garantias bancárias, participação em fundos ambientais ou da constituição de fundos próprios para o efeito. De extrema importância é o facto destas garantias financeiras terem necessariamente de obedecer ao princípio da exclusividade, não podendo ser afectas a quaisquer outros fins nem objecto de qualquer oneração, total ou parcial, superveniente ou originária. Nestes termos, até que surja uma portaria que fixe valores mínimos quanto a estas garantias, é da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente fixar um valor, com base na análise dos riscos da actividade em causa.


Contudo, esta questão não foi isenta de dúvidas perante algumas entidades. Desde a sua data da entrada em vigor que se questiona a operacionalização deste diploma. Neste sentido, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) em Abril de 2010, solicitou esclarecimentos o Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território (MAOT), relativamente à aplicação deste regime jurídico, designadamente sobre as seguintes matérias:
- Sobre as actividades que careciam de garantia financeira obrigatória, dada a abrangência do anexo;
- E se estariam as seguradoras a dar resposta às exigências do diploma, em toda a sua abrangência.


A resposta a estas questões por parte da MAOT traduziu-se no seguinte:
- Os operadores que exerçam qualquer actividade ocupacional enumerada no Anexo III do diploma deviam constituir obrigatoriamente uma garantia financeira (como já foi enunciado anteriormente neste texto). No que respeita aos municípios enquanto infractores, nos termos da definição da alínea l) do artigo 11º, deveria ser verificado caso a caso, face a cada um dos pontos do anexo.
- Relativamente à questão das seguradoras, referiu a possibilidade de constituição de garantias financeiras alternativas e complementares, caso a apólice de seguro, não permita assumir integralmente a responsabilidade ambiental, inerente à actividade desenvolvida. A possibilidade da apólice não assumir integralmente esta responsabilidade, não é mais que uma fatalidade, por razões que são compreensíveis.



Quanto à determinação do valor mínimo fixado a que se fez referência num dos parágrafos anteriores, os municípios deveriam proceder da seguinte forma:
- Efectuar a caracterização da actividade ocupacional, incluindo todas as operações que envolvam riscos para o ambiente;
- Identificar o estado inicial, analisando a situação actual das espécies e habitats naturais protegidos, das massas de água de superfície e subterrâneas e dos solos na envolvente da actividade ocupacional;
- Identificar e analisar os cenários de risco previsíveis, isto é, os incidentes susceptíveis de ocasionar danos ambientais com probabilidade de ocorrência não negligenciável, tais como a libertação acidental de substâncias perigosas, incêndio, entre outros;
- Avaliar os danos ambientais associados aos cenários de risco previsíveis;
- Definir os programas de medidas para a prevenção e a reparação dos danos ambientais, nos termos do disposto do anexo V do diploma;
- Determinar os custos das medidas referidas.


Desta feita, é de aferir a responsabilidade dos decisores que constituem os órgãos dos municípios. No caso da responsabilidade ambiental trata-se de uma responsabilidade administrativa objectiva, ou seja, independentemente de ter agido com culpa ou da conduta ilícita, atende-se apenas ao risco da actividade, associada à função daquele que a dirige.
Facto é, se ocorrer um dano ambiental significativo, o município vê-se na tarefa de explicar o sucedido aos munícipes, aos órgãos de comunicação social, a par do dever de determinar as potenciais circunstâncias que terão contribuído para aquele resultado.
Por consequência é inequívoco o envolvimento dos dirigentes, principalmente daqueles que pertencem ao órgão executivo colegial do município, pois são estes, por inerência de funções, os envolvidos no processo sobre as medidas de prevenção e reparação necessárias de levar a cabo com a autoridade competente, a Agencia Portuguesa do Ambiente.


A responsabilidade por danos ambientais exige ao infractor que incorra em todas as despesas de prevenção e reparação necessárias para reconstituir o meio ambiente, sem qualquer limite de valor em termos da sua responsabilidade, existindo autores que esclarecem que a lei estabelece um “duplo regime de responsabilidade ambiental”, que pode ser objectiva ou subjectiva, não sendo necessário provar a culpa no caso das actividades praticadas pelas empresas que constam do Anexo III, porque a responsabilidade objectiva não carece de prova de culpa, basta a mera probabilidade quanto ao nexo de causalidade, verificando-se que aquela actividade especifica causou aqueles danos em causa. Para além disso, tratando-se de uma empresa, os administradores dessa empresa poluidora estão obrigados à responsabilidade solidária para com os danos provocados, através do recurso ao património pessoal para cobrir os custos.


É de notar que as questões tratadas em acções judiciais e todas as questões relacionadas com o tratamento de danos ambientais são de intensa conflituosidade. Princípios constitucionais, são frequentemente questionados, colidindo entre si. De facto, analisando a forma como a maioria dos casos ocorre, há interesse do agente poluidor em obter lucros, cujos reflexos são benéficos à sociedade, nomeadamente em razão da criação de empregos, criação de tributos para a administração pública, melhoria do poder aquisitivo da população local. Por outro lado, tem-se a produção de externalidades negativas com a exploração desenfreada dos recursos naturais e com o uso do ambiente natural como depósito de dejectos industriais sem que sejam contabilizados nos custos das empresas e, consequentemente, a queda na qualidade de vida em razão do meio ambiente sofrer impactos com a actividade potencialmente poluidora.


Note-se, com isso, que o Poder Público também tem interesse na instalação de indústrias e isto, muitas vezes, faz com que normas que visam a tutela do ambiente natural sejam relativizadas, podendo dar causa a resultados lesivos.


Diante do conflito entre dois direitos fundamentais, há que se analisar, no caso concreto, qual deles prevalece. Contudo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, é essencial para a própria sobrevivência do homem, da sua saúde e, consequentemente a garantia da dignidade humana.


A responsabilidade da administração pública por danos causados ao meio ambiente por actividades potencialmente poluidoras por omissão do dever de fiscalização é subjectiva. Entretanto, por se tratar de direito fundamental, o dever exclusivo do poder público de fiscalizar, obrigação constitucional de tutelar o ambiente, é possível afirmar a ocorrência da inversão do ónus da prova, ou seja, a administração pública é quem tem a função de demonstrar, em juízo, que agiu com prudência, cautela e que cumpriu o seu dever de fiscalização. Caso haja dúvida, aplica-se o princípio do “in dubio pro ambiente”.



Concluindo-se esta questão, parece clara a importância do diploma em causa, por forma a garantir que sim, encontramo-nos um Estado de Direito do ambiente, onde existe a consagração constitucional do mesmo, e que a par do que é feito e exigido para a protecção e consequente medida sancionatória quanto a outros direitos fundamentais, também com o ambiente há a preocupação de se actuar como se a própria dignidade humana dependesse disso!



O ambiente, como a vida humana, um direito de todos, cujo respeito se exige a todos!?

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