Monday, May 16, 2011

"A Protecção do Meio Ambiente: As Florestas"


“Protecção do Meio Ambiente: As Florestas”


Hélio de Sousa


Introdução

Nos termos da proposta feita aos alunos de Direito do Ambiente pela equipa docente decidimos elaborar uma pequena reflexão sobre a temática “Protecção do Meio Ambiente: As Florestas”.



Desenvolvimento

As florestas em Portugal têm uma dimensão muito importante. São consideradas como um recurso económico e de bem natural, sendo hoje um dado social e juridicamente incontestável. Com mais de três milhões de hectares de área florestal no território continental, corresponde a quase 40% deste, gerando emprego para mais de 3% da população, representando relevante fonte de receita a título de exportação, a floresta constitui uma fonte de riqueza economicamente estável. Por outro lado, é uma componente do macrossistema que abriga pequenos mundos para espécies animais e vegetais e promove refúgio para o ser humano em momentos de lazer.
Carla Amado Gomes, na sua obra de textos dispersos de Direito do Ambiente, cita Moreno Molina para exemplificar a dimensão das florestas e o seu valor para a vida humana, Molina identifica três funções da floresta: ecológica (reguladora da biosfera), social (local de recreação) e económica (comercialização dos produtos florestais).
A actividade humana sobre as florestas tem vindo a dar mais relevância à função económica. As florestas guardam uma quantidade imensa de recursos, nomeadamente ao nível das matérias-primas como as madeiras de várias espécies. O aproveitamento desregrado das florestas tem vindo a trazer sérios problemas a nível nacional como internacional. O princípio 4º da Declaração de Estocolmo de 1972 reflecte a preocupação com a forma como os Estados têm tratado esta questão, inserindo a preservação dos recursos silvícolas na equação ponderativa dos factores de desenvolvimento económico.
“Cabe ao homem a responsabilidade especial de salvaguardar e de sabiamente gerir o património constituído pela flora e fauna silvestres e pelos respectivos habitats, actualmente posto em grave perigo por um conjunto de factores desfavoráveis. A conservação da natureza, especialmente da flora e da fauna silvestres deve, portanto, assumir lugar importante no planeamento do desenvolvimento económico.”
Como bem nos lembra Carla Amado Gomes, vinte anos depois, na Convenção do Rio, a matéria da protecção das florestas ganhou especial relevo, em virtude do agravamento da desertificação e do aumento da camada de ozono, sendo a floresta um sumidouro de dióxido de carbono.
Na sequência da Política de Agrícola Comum, (PAC), a Comunidade Europeia lançou um Programa de Acção Florestal, que estava previsto vigorar entre os anos de 1989 a 1992, mas foi posteriormente prorrogado. A este documento se deve os vários incentivos a “Fundo Perdido” para que se desenvolvessem actividades silvícolas nos territórios dos Estados-membros da Comunidade Europeia.
Ao analisarmos a Constituição da República Portuguesa, CRP, no artigo 66.º/2, relaciona-se o ambiente e a qualidade de vida, sendo que as florestas têm neste preceito um papel importante. Quando se apela à prevenção da poluição e das formas prejudiciais de erosão, alínea a), a CRP está a consagrar a necessidade de Planos nacionais, regionais e locais que acautelem a forma como se deve utilizar as zonas florestais, nomeadamente ao nível das políticas de urbanização. Por exemplo o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, Decreto-lei n.º 380/99 de 22 de Setembro, vem prever quanto aos Planos municipais de ordenamento do território, no artigo 69.º/2, que “os PMOT estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental.”
Neste sentido, os PMOT visam estabelecer princípios e regras de garantia da qualidade ambiental, bem como, os princípios e os critérios subjacentes a opções de localização de infra-estruturas, equipamentos, serviços e funções, vide respectivamente o artigo 70.º, alíneas f) e h) do Decreto-lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
No mesmo sentido, o Plano director municipal, tem que acautelar a natureza e o bem florestal. No artigo 84.º do supra diploma, o n.1 dispõe que o “PDM estabelece a estratégia de desenvolvimento territorial, a política municipal de ordenamento do território …”, continuando o artigo 85.º/1, alínea c), por descrever o conteúdo material do PDM, em que se apresenta a função que este instrumento tem de definir os sistemas de protecção dos valores e recursos naturais, culturais, agrícolas e florestais, identificando a estrutura ecológica municipal.
Referimos estes artigos do Decreto-lei 380/99 de modo a tentar demonstrar a importância que tem a nível municipal uma boa gestão dos recursos e do uso dos solos, mais precisamente do solo florestal. Sabemos que existem outros planos que têm uma incidência mais alargada a nível nacional, como a Rede Natura 2000, as RAN e as REN, mas o que é certo é que a nível municipal é que temos as maiores preocupações com os destinos que os Planos acabam por dar aos terrenos, permitindo ou não o seu uso para edificações ou explorações de vária índole como a industrial. O facto de se decidir aumentar a zona edificável de um município pode levar a duas consequências bem distintas: o aumento da capacidade de resposta para a área habitacional e serviços, mas por seu turno a desflorestação e consequente irreversibilidade dos danos ambientais. Na verdade, ao passo que o Homem ganha mais espaço para exercer a sua actividade económica e para viver em casa própria (paradigma do nosso tempo), perde no ambiente e nas “zonas verdes”, que a ser bem utilizadas poderiam ter uma vertente de lazer, turística e de saúde.
Não queremos passar uma imagem de eco-fundamentalismo, mas o facto é que cada vez mais nos deparamos com uma mentalidade que não pondera correctamente os efeitos dos seus actos presentes e as consequências para as gerações futuras.
Não nos bastamos somente com as questões de construção habitacional, mas também com as actividades de extracção de matérias-primas para a produção de cimentos que tem avassalado grande parte das zonas onde se situam, primando por uma imagem destronante ao nível ambiental. A utilização dos recursos naturais tem de ser compensada com planos de reabilitação das zonas afectadas, mas o que é certo é que em certos casos a vida dos habitats já não recupera a sua natureza primitiva e o verde que antes dava lugar às colinas agora é substituído pelas áreas desertificadas e desconjuntadas.
No que toca ao lazer também devemos ser cautelosos. Nos últimos anos vimos assistindo a vários desastres ambientais de níveis esmagadores: segundo o relatório da Autoridade Florestal Nacional (AFN), registaram-se 20.927 ocorrências de fogo (3.638 incêndios florestais e 17.289 fogachos), levando a que tivesse ardido uma área de 125.852 hectares, sendo 43.608 hectares de povoamentos florestais e 82.244 hectares de matos (65%). Dados de 2010.
Uma das consequências directas desta situação é a desertificação, bem como o aumento das emissões de CO2 para a atmosfera o que faz aumentar o efeito de estufa contribuindo para o maior descontrolo das alterações climáticas, na medida em que todas estes incidentes estão correlacionados.
A CRP consagra-se como uma verdadeira Constituição Ambiental, nas palavras de Vasco Pereira da Silva, desde da entrada em vigor em 1976 do artigo 66.º. Contudo, a nível de exequibilidade ainda há muito que fazer. As leis que temos em vigor em matéria ambiental são anacrónicas, basta olhar para a Lei de Bases do Ambiente, que data de 07 de Abril de 1987. Uma futura revisão da Lei de Bases do Ambiente teria que ter em conta os novos circunstancialismos, bem como as novas exigências a nível europeu e mundial na redução dos efeitos nefastos ao ambiente e suas consequências.
Em termos legais surgiu a Lei de Bases da Política Florestal em 1996, (Lei 33/96).
Mas o que é interessante é que a própria lei não define o seu objecto. A LBPF não contém nenhuma indicação do que deva considerar-se uma floresta. Carla Amado Gomes, afirma que a definição de floresta reveste uma importância fulcral para a delimitação do âmbito objectivo de aplicação da Lei. O que mais criticamos é o facto de só se compreender a sua ausência em virtude da relação de pressuposição de conceitos de Direito Comunitário em face da legislação portuguesa. Parece-nos que o legislador devia ter inscrito na Lei a noção de floresta. Contudo, na senda do que defende Carla Amado Gomes, julgamos ser de recorrer à definição inscrita no Regulamento CE/2152/2003, do Parlamento e do Conselho, de 17 de Novembro de 2003, relativo ao acompanhamento das florestas e das interacções ambientais na Comunidade:
“Terrenos com percentagem de coberto arbóreo (ou densidade equivalente) superior a 10% e área superior a 0.5 hectares. A vegetação arbórea deve ser susceptível de atingir a altura mínima de 5 metros na maturidade “in situ”.Pode consistir, quer em formações florestais cerradas, nas quais árvores de vários estratos e sub-bosque cobrem uma percentagem elevada do terreno, quer em formações florestais abertas, com um coberto vegetal contínuo no qual o coberto arbóreo ultrapassa 10%. Incluem-se no conceito de floresta os povoamentos naturais jovens e todas as plantações estabelecidas para fins florestais que não tenham ainda atingido uma densidade de 10% ou uma altura de 5 metros, tal como os terrenos que fazem normalmente parte da área de floresta e são temporariamente desaborizados em resultado da intervenção humana ou de causas naturais mas em princípio retornam ao estado de floresta (…) Contudo, a definição de floresta exclui terrenos predominantemente agrícolas.”
Entendemos, que a definição utilizada é muito extensa e não tem sentido, pelo menos nos termos em que está formulada. Bem podia ser escrita por uma pequena introdução que depois se dividia em alíneas. No entanto, tal formação se deve ao facto de se tratar de uma directiva destinada a ser adoptada por vários Estados em que o conceito pode divergir e por esta se tenta uniformizar. Vejamos que segundo Molina a evolução do tratamento da legislação florestal italiana teve várias fases das quais ele relata as duas últimas, desde a perspectiva minimalista de floresta – como instrumento de defesa do solo, até à perspectiva actual – como bem ambiental.
A LBPF enuncia dois tipos de princípios, uns são gerais, artigo 2.º e outros são orientadores, artigo 3.º. No artigo 2.º vem disposto algo de muito relevante: o princípio do interesse público da floresta independentemente do vínculo de propriedade que sobre ela incida. Como já se disse, a floresta assume uma faceta imaterial, artigo 6.º/e) e 15 da LBA, inapropriável, de qualidades indivisíveis, tendo uma qualidade de estabilizadora do ecossistema global.
As florestas, em virtude de sujeitar o homem a uma vinculação ecológica mais ou menos intensa, consoante abrigue ou não espécies em vias de extinção, leva a que tracemos uma dimensão simultaneamente pública e colectiva da floresta, que gera a responsabilidade partilhada pela sua gestão racional e que legitima, no mínimo, a penalização do proprietário negligente, para tal a Lei 19/86, de 19 de Julho, que prevê sanções em caso de incêndios florestais (matéria supra abordada), a que acrescem os crimes ecológicos previstos nos artigos 278.º a 281.º do Código Penal. A LBPF vai mais longe e chega ao ponto de no máximo levar ao desaparecimento do título privado de propriedade a favor de uma afectação a fins estritamente ecológicos/colectivos, cfr. o artigo 18.º/1, alínea c). Em todo o caso, entendemos que se trata de um caso de expropriação e de violação do direito de propriedade consagrado na CRP, para que tal possa suceder tem de haver uma ponderação de interesses, fazendo recurso aos requisitos do princípio da proporcionalidade: necessidade, adequação e “necessidade em sentido próprio”. O proprietário teria de ser justamente indemnizado. O legislador, parece-nos, toca um pouco no fundamentalismo ecológico nesta sua decisão.
A floresta encabeça um interesse de fruição geral, partilhado pelos cidadãos integrantes da comunidade, que justifica o reconhecimento a estes de direitos de carácter procedimental e processual para defesa e promoção dos valores ambientais ligados à floresta, ou seja, o que aqui está em causa é a ideia de responsabilização social a que reporta alínea d) do artigo 3.º da LBPF.
Não fazemos alusão a este interesse por acaso. Antes a nossa análise está toda associada a uma lógica de promoção do “bem ambiental florestal”. Assim, tendo em conta este princípio e a sua publicidade, levou o Tribunal Constitucional a salvar do anátema da inconstitucionalidade as normas do artigo 1.º/1 e 2.º do Decreto-lei 327/90 de 22 de Outubro, que estabeleciam um conjunto de proibições de actividades em terrenos afectados por fogos florestais intensamente restritivos das faculdades normalmente associadas à propriedade durante 10 anos seguintes ao sinistro.
A LBPF enumera no seu artigo 3.º sete princípios orientadores: a) Princípio da produtividade, b) Princípio da conservação, c) Princípio da concertação estratégica, d) Princípio da responsabilização social, e) Princípio da regulação pública, f) Princípio da investigação científica, g) Princípio da cooperação internacional, com respeito pelo princípio da soberania do Estado sobre os recursos naturais sitos em território sob sua jurisdição.
Na análise destes princípios entendemos que a posição de Carla Amado Gomes é relevante. O legislador deveria ter admitido que a LBA se aplica subsidiariamente, assim teríamos também consagrados os princípios da prevenção, da responsabilização e da gestão associativa. O princípio da prevenção, consagrado na alínea a) do nº2 do artigo 66.º da CRP e na LBA, na primeira parte da alínea a) do artigo 3.º, traduz uma intenção de antecipação do risco ambiental com vista à sua eliminação ou minimização, na medida do tecnologicamente possível, “Carla Amado Gomes”. A LBA integra no lote de instrumentos da política de ambiente a inventariação de recursos a nível nacional e regional, a criação de um sistema nacional de vigilância e controlo da qualidade do ambiente e a criação de um sistema nacional de prevenção de incêndios florestais, vide alíneas l), m) e n) do artigo 27.º da LBA.
Em suma, o que mais intriga e é objecto de crítica doutrinal é o facto de o legislador ter desdobrado princípios desnecessariamente, como a concertação estratégica e responsabilização social, e não ter integrado no leque de princípios orientadores a prevenção, o que é incontornável em razão do imperativo de gestão racional decorrente do artigo 66.º/2, alínea d) da CRP e sobretudo do artigo 93.º/2 da CRP.
Conclusão.
Neste pequeno trabalho, tentámos fazer uma abordagem à temática das florestas dentro do Direito do Ambiente. Tivemos por convicção o realce da figura como bem ambiental que deve ser protegido e tutelado adequadamente pelas leis que regulam a matéria como a LBA e mais concretamente a LBPF.
Ao analisar as questões deparamo-nos com verdadeiros problemas que têm de ser resolvidos de modo a haver uma coerência em torno de uma matéria de veras importante a nível ambiental.
Não podemos deixar de esconder que em muito nos auxiliou o estudo de Carla Amado Gomes e da sua obra que citámos.
Cabe ainda referir que após termos conhecimento de que em tempos houve a ideia de se fazer um Código Florestal, constante do ponto 2, parágrafo 3.º, da Resolução do Conselho de Ministros 64/2003, de 30 de Abril, lamentamos que tal não se tenha efectivado, mas aproveitamos para sugerir que se tal viesse a acontecer o melhor seria integrar a LBPF, acabando por extingui-la na sua forma autónoma, integrando indispensavelmente o princípio da prevenção, pois uma prevenção adequada poupa ao estado português milhares de euros ao tentar fazer face aos incidentes que atentam as zonas florestais, não só os fogos mas outros tipos de acontecimentos que levam a danos que não permitem a reconstrução “in natura” das circunstâncias.
Esperamos que com este trabalho tenhamos atingido os objectivos da equipa docente.


Bibliografia:

• Carla Amado Gomes, Textos Dispersos de Direito do Ambiente, II Volume, AAFDL 2008, Lisboa.
• Constituição da República Portuguesa
• Lei de Bases do Ambiente, Lei n.º 11/87 de 7 de Abril.
• Lei de Bases da Política Florestal, Lei 33/96
• Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, Decreto-Lei 380/99. De 22 de Setembro



Trabalho realizado por,

Hélio de Sousa

(Sub-turma 9)










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